sábado, 13 de novembro de 2010

Só no Brasil a educação é discutida por comentarista esportivo

por Conceição Lemes
Fonte: http://bit.ly/a7AaIe

Desde o último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Ministério da Educação (MEC) estão sob bombardeio midiático.

Estavam inscritos 4,6 milhões estudantes, e 3,4 milhões submeteram-se às provas. O exame foi aplicado em 1.698 cidades, 11.646 locais e 128.200 salas. Foram impressos 5 milhões de provas para o sábado e outros 5 milhões para o domingo. Ou seja, o total de inscritos mais de 10% de reserva técnica.

No teste do sábado, ocorreram dois erros distintos. Um foi assumido pela gráfica encarregada da impressão. Na montagem, algumas provas do caderno de cor amarela tiveram questões repetidas, ou numeradas incorretamente ou que faltaram. Cálculos preliminares do MEC indicavam que essa falha tivesse afetado cerca de 2 mil alunos. Mas o balanço diário tem demonstrado, até agora, que são bem menos: aproximadamente 200.

O outro erro, de responsabilidade do Inep, foi no cabeçalho do cartão-resposta. Por falta de revisão adequada, inverteram-se os títulos. O de Ciências da Natureza apareceu no lugar de Ciências Humanas e vice-versa. Os fiscais de sala foram orientados a pedir aos alunos que preenchessem o cartão, de acordo com a numeração de cada questão, independentemente do cabeçalho. Inep é o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão do MEC encarregado de realizar o Enem.

“Nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que tiveram problemas poderão fazer a prova em outra data”, tem garantido desde o início o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Isso é possível porque o Enem aplica a teoria da resposta ao item (TRI), que permite que exames feitos em ocasiões diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade.”

Interesses poderosos, porém, amplificaram ENORMEMENTE os erros para destruir a credibilidade do Enem. Afinal, a nota no exame é um dos componentes utilizados em várias universidades públicas do país para aprovação de candidatos, além de servir de avaliação parabolsa do PRO-UNI.

“Só os donos de cursinhos e aqueles que não querem a democratização do acesso à universidade podem ter algo contra o Enem”, afirma, indignado, ao Viomundo o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos EUA, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. “Eu vi a entrevista do ministro Fernando Haddad ao Bom Dia Brasil, TV Globo. Que loucura! Como jornalistas que num dia falam de incêndio, no outro, de escola de samba, no outro, ainda, de esporte, podem se arvorar em discutir um assunto tão delicado como sistema educacional? Pior é que ainda se acham entendedores. Só no Brasil educação é discutida por comentarista esportivo!”

Nicolelis é um dos maiores neurocientistas do mundo. Vive há 20 anos nos Estados Unidos, onde há décadas existe o SAT (standart admissions test), que é muito parecido com o Enem. Tem três filhos. Os três já passaram pelo Enem americano.

Viomundo — De um total de 3,4 milhões de provas aplicadas no sábado, houve problema incontornável em menos de 2 mil. Tem sentido detonar o Enem, como a mídia brasileira tem feito? E dizer que o Enem fracassou, como um ex-ministro da Educação anda alardeando?

Miguel Nicolelis — Sinceramente, de jeito algum — nem um nem outro. O Enem é equivalente ao SAT, dos Estados Unidos. A metodologia usada nas provas é a mesma: a teoria de resposta ao item, ou TRI, que é uma tecnologia de fazer exames. O SAT foi criado em 1901. Curiosamente, em outubro de 2005, entre as milhões de provas impressas, algumas tinham problema na barra de códigos onde o teste vai ser lido. A entidade que faz o exame não conseguiu controlar, porque esses erros podem acontecer.

Viomundo — A Universidade de Duke utiliza o SAT?

Miguel Nicolelis — Não só a Duke, mas todas as grandes universidades americanas reconhecem o SAT. É quase um consenso nos Estados Unidos. Apenas uma minoria é contra. E o Enem, insisto, é uma adaptação do SAT, que é uma das melhores maneiras de avaliação de conhecimento do mundo. O teste é a melhor forma de avaliar uniformemente alunos submetidos a diferentes metodologias de ensino. É a saída para homogeneizar a avaliação de estudantes provenientes de um sistema federativo de educação, como o americano e o brasileiro, onde os graus de informação, os métodos, as formas como se dão, são diferentes.

Viomundo — Qual a periodicidade do SAT?

Miguel Nicolelis – Aqui, o exame é aplicado sete vezes por ano. O aluno, se quiser, pode fazer três, quatro, cinco, até sete, desde que, claro, pague as provas. No final, apenas a melhor é computada. Vários estudos feitos aqui já demonstraram que o SAT é altamente correlacionado à capacidade mental geral da pessoa.

Todo ano as provas têm uma parte experimental. São questões que não contam nota para a prova. Servem apenas para testar o grau de dificuldade. Outro peculiaridade do sistema americano é a forma de corrigir a prova. É desencorajado o chute.

Viomundo — Explique melhor.

Miguel Nicolelis — Resposta errada perde ponto, resposta em branco, não. Por isso, o aluno pensa muito antes de chutar, pois a probabilidade de ele errar é grande. Então se ele não sabe é preferível não responder do que correr o risco de responder errado.

Viomundo – Interessante …

Miguel Nicolelis – Na verdade, o SAT é maneira mais honesta, mais democrática de avaliar pessoas de lugares diferentes, com sistemas educacionais diferentes, para tentar padronizar o ingresso. Aqui, nos EUA, a molecada faz o exame e manda para as faculdades que querem frequentar. E as escolas decidem quem entra, quem não entra. O SAT é um dos componentes para essa avaliação.

Viomundo — Aí tem cursinho para entrar na faculdade?

Miguel Nicolelis — Tem para as pessoas aprenderem a fazer o exame, mas não é aquela loucura da minha época. Era cheio de cursinho para todo lugar no Brasil. Cursinho é uma máquina de fazer dinheiro. Não serve para nada a não ser para fazer o exame. Por isso ouso dizer: só os donos de cursinho e aqueles que não querem democratizar o acesso à universidade podem ter algo contra o Enem.

Viomundo –Mas o fato de a prova ter erros é ruim.

Miguel Nicolelis — Concordo. Mas os erros vão acontecer. Em 1978, quando fiz a Fuvest (vestibular unificado no Estado de São Paulo), teve pergunta eliminada, pois não tinha resposta. Isso acontece desde o tempo em que havia exame para admissão [ao primeiro ginasial, atualmente 5ª série do ensino fundamental) na época das cavernas (risos). Você não tem exame 100% correto o tempo inteiro.

Então, algumas pessoas estão confundindo uma metodologia bem estudada, bastante conhecida e aceita há décadas, com problemas operacionais que acontecem em qualquer processo de impressão de milhões de documentos. Na dimensão em que aconteceram no Brasil está dentro das probabilidade de fatalidades.

Viomundo -- Em 2009, também houve problema, lembra-se?

Miguel Nicolelis -- No ano passado foi um furto, foi um crime. O MEC não pode ser condenado por causa de um assalto, que é uma contigência e nada tem a ver com a metodologia do teste.

Só que, infelizmente, gerou problemas operacionais para algumas universidades, que não consideraram a nota do Enem nos seus vestibulares. Isso não quer dizer que elas não entendam ou nãoaceitam o teste. As provas do Enem são muito mais democráticas, mais racionais e mais bem-feitas do que os vestibulares de qualquer universidade brasileira.

Eu fiz a Fuvest. Naquela época, era muito ruim. Não media nada. E, ainda assim, a gente teve de se sujeitar àquilo, para entrar na faculdade a qualquer custo.

Viomundo -- Fez cursinho?

Miguel Nicolelis -- Não. Eu tive o privilégio de estudar numa escola privada boa. Mas muitas pessoas que não tinham educação de alto nível eram obrigadas a recorrer ao cursinho para competir em condições de igualdade.

Mas o cursinho não melhora o aprendizado de ninguém. Cursinho é uma técnica de aprender a maximizar a feitura do exame. É quase um efeito colateral do sistema educacional absurdo que até recentemente tínhamos no Brasil. É um arremedo. É um aborto do sistema educacional que não funciona.

Viomundo -- Qual a sua avaliação do Enem?

Miguel Nicolelis -- É um avanço tremendo, porque a longo prazo a repetição do Enem várias vezes por ano vai acabar com o estresse do vestibular. Você retira o estresse do vestibular. Na minha época, e isso acontece muito ainda hoje, o jovem passava os três anos esperando aquele "monstro". De tal sorte, o vestibular transformava o colegial numa câmara de tortura. Uma pressão insuportável. Um inferno tanto para os meninos e meninas quanto para as famílias. Além disso, um sistema humilhante, porque as pessoas que não podiam frequentar um colégio privado de alto nível sofriam com o complexo de não poder competir em pé de igualdade. Por isso os cursinhos floresceram e fizeram a riqueza de tanta gente, que agora está metendo o pau no Enem. Evidentemente vários interesses estão sendo contrariados devido ao êxito do Enem.

Viomundo -- Tem muita gente pixando, mesmo.

Miguel Nicolelis -- Todo esse pessoal que pixa acha que sabe do que está falando. Só que não sabe de nada. Exame educacional não é jogo de futebol. Tem metodologia, dados, história. E olha que eu adoro futebol. Sempre que estou no Brasil, vou ao estádio para assistir ao jogos do Palmeiras [Ninguém é perfeito (rs)!] O Brasil fez muito bem em entrar no Enem. É o único jeito de acabar com esse escárnio, com essa ferida que é o vestibular .

Viomundo — Nos EUA, não há vestibular para a universidade. O senhor acha que o Brasil seguirá essa tendência?

Miguel Nicolelis -- Acho que sim. O importante é o seguinte. O Brasil está tentando iniciar esse processo. Quando você inicia um processo dessa magnitude, com milhões fazendo exame, é normal ter problemas operacionais de percurso, problemas operacionais. Isso faz parte do processo.

Nós estamos caminhando para o Enem ser a moeda de troca da inclusão educacional. As crianças vão aprender que não é porque elas fazem cursinho famoso da Avenida Paulista que elas vão ter mais chance de entrar na universidade. Elas vão entrar na universidade pelo que elas acumularam de conhecimento ao longo da vida acadêmica delas. Elas vão poder demonstrar esse conhecimento sem estresse, sem medo, sem complexo de inferioridade. De uma maneira democrática.E, num futuro próximo, tanto as crianças de escolas privadas quanto as de escolas públicas vão começar a entrar nesse jogo em pé de igualdade. Aí, sim vai virar jogo de futebol.

Futebol é uma das poucas coisas no Brasil em que o mérito é implacável. Joga quem sabe jogar. Perna de pau não joga. Não tem espaço. O talento se impõe instantantaneamente.

Educação tem de ser a mesma coisa. O talento e a capacidade têm de aflorar naturalmente e todas as pessoas têm de ter a chance de sentar na prova com as mesmas possibilidades.

5 comentários:

  1. É o mesmo cientista vendido que antes das eleições deu uma entrevista recomendando a se votar na candidata do pt. Obviamente ele está com o rabo preso, ou será que não tem dinehiro público envolvido nesse instituto em Natal ...


    Comparar o nenem ao SAT chega a ser ridículo, porém é no mínimo irresponsável.

    A prova do nenem chegou ao ponto de tirar duas questões de Física de páginas na internet, questões altamente mal formuladas, sem pé nem cabeça e com problemas conceituais graves.

    Não parei para analisar questão a questão de cada disciplina, estou preparando o estômago para tal.

    Os fundadores e vários leitores desse blog sabem muito bem o que está errado na educação bãsica pública (e boa parte da privada) em nosso país. Sabem muito bem que estamos precisando é de valorização, principalmente salarial, dos professores, condições de trabalho dignas e disciplina nas escolas.

    Não é com o nenem, facilitando ao extremo a entrada de alunos nas universidades públicas e em consequência baixando o nível dos cursos, pois cada vez mais os alunos ingressarão mais despreparados, que se resolverá o problema educaciaonal grave que temos.

    Temos que procurar a excelência e não a decadência. Não é baixando o nível ainda mais que o Brasil vai se desenvolver, precisamos buscar incessantemene a excelência, senão não passaremos nunca de exportadores de matérias primas e importadores de alta tecnologia.

    Só como exemplo, o que temos de melhor em nosso país em termos de formação na área tecnológica é o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronaútica), e não é com um vestibular facilitador que se entra lá. O parque de contrução de aeronaves que se tem no país se deve a fundação desse instituto em 1950.

    Querer forçosamente que qualquer coisa que funciona nos EUA, o país mais desenvolvido em todos os termos, funcione também no Brasil com essa cultura do menor esforço que temos é leviano.

    Os EUA têm as melhores universidades do mundo, a melhor universidade de nosso país não aparece na lista das 200 melhores. É brincadeira de mal gosto comparar o sistema avaliativo de lá com o de cá.

    O professorado, principalmente aqueles que não são vagabundos, coadunados ao sistema, não deviriam ficar acreditando em contos da corocinha, já estão calejados demais para saber o que funciona e o que não funciona e que do jeito que está nada funciona.

    Comparem os aluno do CEFET ou do Colégio Militar com os da rede estadual, por que será que as diferenças são tão grandes? Por que o ensino nas instituíções federais de ensino básico funciona e nas demais não?

    Não é da maquigem do nenem que estamos precisando e você sabem muito bem disso.

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  2. Pois é Krishnamurtija, considerar o Enem um instrumento de inclusão é fazer um avaliação muito rasteira do que é a educação no país. Desde quando a escola pública é inclusiva? Basta fazer as contas e ver quantos de nossos alunos conseguem entrar nas universidades públicas,aí entra o Prouni que enche as salas de aulas da instituições privadas com tais alunos bancados com o dinheiro do Estado. Não é à toa que os reitores dessas universidades apoiaram a candidata marionete de Lula que muito bem representa a ideologia do PT. É o toma lá da cá na educação.

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  3. Quem são os especialistas em educação que escrevem semanalmente para a revista Veja?
    Gustavo Ioschpe e Stephen Kanitz, dois economistas.A educação do povo brasileiro vai mal, justamente porque ele não gosta de educação. A eleição de um analfabeto, por uma parcela grande da nossa sociedade, confirma o que eu falo. O povo não sabe nem sequer usar um caixa elotrônico,é mal educado, desrespeita as leis, vive como um nativo em uma selva.

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  4. É a política do quanto pior, melhor. Foram os estados mais pobres onde a mortalidade infantil e o analfabetismo imperam que elegeram a 'redentora' do PT para manobrar a nação.Tiririca tem razão: Êita país de abestados!!!

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  5. Acredito que a entrevista foi muito mal feita, talvez até propositalmente, desfocando o principal argumento contra o Enem, que é a falta de competência institucional do Inep.
    As principais críticas em relação ao Enem não foram de conteúdo da prova, ou sistema de pontos das questões, mas críticas em relação ao Inep, a sua logística e aplicação igualmente desastradas.

    Posso afirmar, especialmente em relação aos quatro últimos anos em que fiz as provas dos vestibulares, que o Enem é, de longe, o melhor sistema de avaliação, apesar de alguns problemas de elaboração. O sistema da UFPE e da UPE beneficiam especicamente os decorebas e papa-cursinhos. Não havia espaço para os jovens leitores de Machado, de Kafka, os que lêem jornais e revistas interessantes, mas que não encontram nada do mundo real incluídos numa prova completamente abstraída da realidade em que vivemos.

    Apesar de algumas ressalvas em relação ao conteúdo da prova, que algumas vezes têm tendência visivelmente ideológica, acredito que o sistema integrativo e interdisciplinar do Enem é um dos caminhos certos que estamos traçando em matéria de avaliação de ingresso e de nível de ensino.

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