quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A REPÚBLICA NO BRASIL

POR JOSÉ RICARDO DE SOUZA*
"O povo assistiu bestializado"
Aristides Lobro, republicano
No dia 15 de novembro de 1889, quando as tropas militares comandadas pelo marechal Deodoro da Fonseca ocuparam o Palácio Imperial, anunciaram a deposição de dom Pedro II, o que representou o fim do Império e o advento da República. A palavra República tem origem latina (vem de res publica) e pode ser traduzida como "coisa pública, embora sua instauração no Brasil não foi feita pelo povo, mas por membros da oligarquia rural e setores do Exército, que embora defendessem interesses distintos, se uniram num projeto político comum para derrubar o Império. A idéia de República não é nova no Brasil, remonta aos tempos coloniais, sendo a Capitania de Pernambuco privilegiada neste item, pois partiu daqui, mais precisamente de Bernardo Vieira de Melo, o primeiro "Grito de República", no antigo Senado da Câmara de Olinda, em 10 de novembro de 1710, durante o tempestuoso conflito intitulado "Guerra dos Mascates". O feito é citado por Oscar Brandão da Rocha na letra do Hino de Pernambuco: "a República é filha de Olinda".

Os pernambucanos levantaram a bandeira republicana outras vezes: em 1817, durante a Revolução Pernambucana, e na Revolução Praieira (1848-1851). As Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1798), as revoltas regenciais da Cabanagem (1835-1840) e Farroupilha (1835-1845) foram outros movimentos de orientação republicana, sendo todos eles sufocados por forças legalistas, leais ao Rei ou ao Imperador. O processo de ruptura com a ordem imperial nasceu em meados do século XIX com as transformações sociais e econômicas surgidas no Brasil, que paulatinamente passava por um tímido processo de industrialização e crescimento das cidades, o que favoreceu à formação de novos grupos sociais, como as médias camadas urbanas. O controle político ainda era centralizado na figura do Imperador, no caso dom Pedro II, e disputado pelos partidos conservador e liberal, embora ambos representassem a oligarquia rural, proprietária de terras e de escravos.

Após a Guerra do Paraguai (1865-1870) o recém-formado Exército brasileiro passa a reivindicar maior participação na ordem política do país, o que foi veementemente negado. As lutas pela abolição da escravatura tomaram amplitude nas discussões políticas e ideológicas, sob influência velada do governo inglês interessado em transformar ex-escravos em trabalhadores assalariados, portanto possíveis consumidores das mercadorias inglesas que invadiram o mercado brasileiro na época. O governo imperial prometia uma abolição, embora "lenta e gradual" para não ferir os interesses dos cafeicultores. O envolvimento de alguns padres católicos com a Maçonaria foi alvo de conflito com o Império. Em obediência ao papa Pio IX, os bispos de Olinda, Dom Vital, e do Pará, Dom Macedo, puniram padres que participavam da Maçonaria, sendo por isso presos e condenados à trabalhos forçados. Assim se delinearam os três suportes ideológicos do movimento republicano: a questão militar, a questão abolicionista e a questão religiosa.

A articulação política dos republicanos foi formalizada na Convenção de Itu em 1873, onde foi fundado o poderoso Partido Republicano Paulista - PRP. O local escolhido para a reunião, um casarão de uma ilustre família de cafeicultores paulista, os Almeida Prado davam uma dimensão do que estava para acontecer. Os republicanos expuseram suas propostas num documento intitulado "Manifesto Republicano", onde se lê "somos da América e queremos ser americanos", numa clara referência que, com exceção do México, o Brasil foi o único país das Américas a adotar o regime monárquico após a emancipação política da metrópole portuguesa. O colegiado militar recebia influências do Positivismo francês do filósofo Augusto Conte, que inspirou o lema da bandeira republicana "ordem e progresso" e defendia um Estado forte para promovê-lo sem grandes rupturas com a ordem social existente. Ainda havia a questão da sucessão, uma vez que a princesa Isabel era casada com Gastão de Orléans, o Conde D'Eu, de origem francesa e de má fama após as atrocidades cometidas por ele na Guerra do Paraguai, como executar prisioneiros e incendiar hospitais de campanha.

O desenrolar dos acontecimentos após estes fatos foram meticulosamente articulados para colocar as tropas contra o Imperador. Primeiro, a adesão de lideranças civis, como Quintino Bocaiúva, Francisco Glicério, Aristides Lobo, Rui Barbosa, Silva Jardim, entre outros com os principais chefes militares, o próprio Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant (positivista convicto) e Solón Ribeiro. A partir daí bastaram boatos sobre supostas prisões de militares republicanos para desencadear o golpe militar. Às nove horas do dia 15 de novembro de 1889, o Visconde de Ouro Preto, chefe do governo imperial, é comunicado oficialmente do fim do Império brasileiro. No dia seguinte, dom Pedro II e sua família são exilados para a Europa. Dom Pedro II viria a falecer dois anos depois em Paris, esquecido e abandonado.

Concluindo, podemos afirmar que a República brasileira nasceu de um golpe militar, articulado pelos cafeicultores desafetos com a abolição da escravatura, e articulado pelos militares da linha positivista. Em nenhum momento, houve qualquer indício de participação popular. O Brasil republicano, pouco mudou para a maioria da população, que continuava empobrecida e excluída das decisões e dos grandes processos nacionais. Os donos do poder continuavam, como sempre, os mesmos, ou seja, era a oligarquia latifundiária comprometida com o capitalismo internacional, leia-se capitalismo inglês. A continuidade do governo republicano revelará mais adiante muitas manifestações contrárias aos desmandos do governo, um sinal de que as massas populares estavam insatisfeitas com os novos rumos impostos pela elite dominante.

* O autor é historiador,professor da rede pública de ensino, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista-PE.

Um comentário:

  1. É esta "república dos bugueses" que muitos acreditam que nós deveríamos glorificar.

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