O que mostra a reportagem a seguir não constitui novidade para quem trabalha em escolas públicas em nosso estado. O descaso é o que temos de concreto por parte do governo do estado desde sempre. Pernambuco não se preocupa com qualidade em educação e o resultado disso é a vergonhosa posição que ocupamos no ranking nacional. O quadro desolador que a reportagem do JC apresenta é uma constante em nossas escolas públicas.
Vejam a reportagem!!!
Triste realidade: Alfabetização de faz-de-conta
Publicado em 14.09.2008, às 00h00
Garoto da 5ª série mal sabe ler. Mãe pediu que fosse reprovado
Do Jornal do Commercio
Do Jornal do Commercio
Quatro décadas atrás, em 1968, o educador pernambucano Paulo Freire escrevia, durante exílio no Chile, sua mais importante obra, Pedagogia do Oprimido. A partir desse livro, suas idéias ganharam o mundo e continuam vivas até hoje. A série Paulo Freire: o mestre do mundo, que começa neste domingo (14) no Jornal do Commercio e JC OnLine e amanhã na TV Jornal, Rádio Jornal e Rádio JC/CBN, mostra como o pensamento freiriano influencia a educação brasileira. Textos de Margarida Azevedo. Produção de Fernando Carvalho.Em vez de casa, o garoto escreve kaia. No lugar de bola, bobi. A palavra mala é grafada baga. Lata é escrita aia. Quem redige não é um menino que está sendo alfabetizado. Ele está cursando a 6ª série do ensino fundamental em uma escola da rede municipal do Recife, localizada na Zona Sul da cidade. Oficialmente, não faz parte do grande contingente de 14,4 milhões de analfabetos brasileiros. Mas aqui pouco importa estatística. O País de Paulo Freire, um dos maiores educadores do mundo, convive com um problema grave e que envergonharia o professor pernambucano: a alfabetização de faz-de-conta. Quarenta anos depois da publicação do mais importante livro dele, Pedagogia do Oprimido, que revolucionou a visão da educação, o Brasil, além de não ter todos os habitantes sabendo ler e escrever, tem que encarar a péssima qualidade do ensino público.
“Eu leio só para mim”, afirma um encabulado aluno da 6ª série, 14 anos, de outra escola municipal, desta vez na Zona Norte, ao negar o convite para ler um pequeno texto do livro de ciências. Sem coragem para encarar a reportagem do JC, ele logo sai da sala. A professora conta que o adolescente não sabe ler. Em outro colégio municipal, um estudante da 5ª série, 13, aceita o pedido, mas nas primeiras frases, desiste. Atropela as palavras e confunde as letras. Pára e diz que não quer mais continuar. Questionado se entendeu o que leu, ele fica em silêncio.
A situação ficou tão crítica que a mãe do menino, uma faxineira que só estudou até a 2ª série, solicitou à professora que o reprovasse no ano passado. “Eu pedi para meu filho repetir de ano, que não fosse para a 5ª série, porque ele não sabe de nada. Ele mesmo me pediu isso porque fica com vergonha na sala. O irmão dele, de 9 anos, que está na 2ª série, sabe mais”, conta a faxineira. “É errado passar quem não sabe. Fico muito preocupada porque é o futuro do meu filho. Como não consegue entender o que a professora diz, ele muitas vezes faz bagunça, fica fora da sala, não se interessa pelo estudo. O pior é que não tenho como pagar uma escola particular para ele”, afirma.
As escolas da rede municipal do Recife funcionam no sistema de ciclos. O primeiro compreende três anos, equivalente a alfabetização, 1ª e 2ª série. A retenção (não se chama reprovação) só pode ocorrer no terceiro ano. O mesmo vale para o segundo ciclo, que compreende as 3ª, 4ª, 5ª e 6ª série. Ou seja, mesmo que o estudante não aprenda, só vai repetir de ano na última série cursada. “Entendemos que a aprendizagem é um ciclo e o ritmo do estudante tem que ser respeitado. Na Europa, não se reprova nas séries iniciais do ensino básico”, justifica a secretária de Educação do Recife, Maria Luiza Aléssio. Na rede estadual, o mesmo problema. “Da 5ª série ao 3º ano do ensino médio, encontro muitos alunos com deficiências graves de alfabetização. Não conseguem nem interpretar pequenos textos. Cometem erros graves de português. Mas eles não são culpados porque passam de um ano para outro graças a brechas nos sistemas de avaliação. Os governos estão interessados nas estatísticas, não se preocupam se está havendo aprendizado ou não”, observa o professor de história Antônio Tiago, que leciona em um colégio estadual de Olinda.
ANALFABETO FUNCIONAL - Em 1964, quando coordenou o Plano Nacional de Alfabetização no governo do presidente João Goulart, Paulo Freire contabilizou 20,4 milhões de analfabetos com mais de 15 anos de idade. Em pouco mais de quatro décadas, a redução é tímida. Somente seis milhões a menos de brasileiros na lista de analfabetos. Se nessa conta forem incluídos os analfabetos funcionais - aqueles com até quatro anos de estudo - o número de pessoas que não sabem ler nem escrever salta para 30,5 milhões de pessoas. Sem alfabetização, eles ficam sem acesso a um dos direitos mais defendidos por Paulo Freire, a cidadania.
E este modelo de aprovações automáticas é exatamente a grande política educacional que vemos por aí.
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