por José Ricardo de Souza*
Jaboatão dos Guararapes está de luto. Mataram Padre Ramiro! Numa noite de quinta-feira (19/03), ao sair da casa de amigos, o religioso, que era espanhol e estava no Brasil há 35 anos, foi almejado por um tiro de calibre doze, disparado por um adolescente de apenas quinze anos! O menor, preso no dia seguinte, admitiu o crime, mas alegou que o disparo fora acidental e que a intenção dele era apenas de assaltar os ocupantes do veículo do padre, o que é estranho, pois segundo as testemunhas, o menor chegou logo atirando, o que caracteriza muito mais um crime de execução, detalhes que deverão ser posteriormente investigados pelas autoridades. O garoto já se encontra em poder da GPCA e deve ser encaminhado à alguma unidade da FUNASE (antiga FUNDAC). Quanto ao padre Ramiro, este voltou ao pó da terra, destino reservado a todos os viventes, mas sua volta foi apressada de maneira estúpida pela violência cruel e sem maquiagem a que estamos expostos.
Coincidentemente, a CNBB escolheu como tema da CF-2009 o tema "Fraternidade e segurança pública", cujo lema é "a paz é fruto da justiça". Como é de praxe em todos os anos, a CNBB procura através da Campanha da Fraternidade chamar a atenção da sociedade para um assunto de relevância, não apenas para os católicos, mas para a sociedade em geral, uma vez que as CFs vem ganhando uma dimensão ecumênica e social nos últimos anos. A escolha pelo debate sobre a violência não poderia ter sido mais oportuna, levando-se em consideração as situações de medo, de ameaça, de agressividade e de morte a que estamos sendo diariamente submetidos, sem distinção de cor, sexo, idade, ou classe social; todos somos vítimas em potencial de ladrões, estupradores, assassinos e similares.
A verdade nua e crua é que as autoridades perderam o bonde da história. A criminalidade é um mal que assola em nossas cidades e deixa a população prisioneira de seu próprio medo e de incertezas ao sair de casa e não poder ter a certeza de voltar ileso e principalmente vivo! As causas da violência e da criminalidade são complexas, é verdade, passam por toda uma teia de fatores sociais, econômicos e culturais, que ultrapassariam as linhas deste artigo, mas uma coisa é certa, em se tratando de violência, o viés que costuma toda uma rede que leva à marginalização de pessoas ou de grupos passa necessariamente pela ausência de políticas públicas capazes de levar às pessoas carentes meios para elas superarem as situações de miséria e de pobreza em que estão inseridas. Onde faltam o pão, o trabalho, a moradia, o estudo, a saúde, sobra justamente o caminho aberto para o narcotráfico, a prostituição, o alcoolismo, e outras mazelas sociais.
É nessa lacuna que entra a sociedade civil organizada, que por meio de suas instituições, mais conhecidas como ONGs (organizações não-governamentais) tentam de maneira articulada suprir essa carência de políticas públicas que temos no país. O próprio padre Ramiro Ludeño tinha um trabalho social e pastoral em Jaboatão, onde ele procurava resgatar a cidadania de meninos que viviam nas ruas. O Movimento de Apoio aos Meninos de Rua de Jaboatão dos Guararapes (Mamer) fundado por ele há mais de vinte anos foi uma tábua de salvação para muitos jovens que optaram por uma vida sem drogas, sem assaltos, e sem violências. Exemplo de que é possível mudar a realidade, desde que alguém se predisponha para isso. Padre Ramiro afirmava que "ninguém é irrecuperável", se todos pensassem da mesma forma, talvez pudessemos sonhar com um modelo de sociedade menos excludente e mais solidário com o outro.
Paradoxalmente, o padre foi vítima de um garoto que tinha a mesma faixa etária das centenas de jovens que o Mamer conseguiu recuperar ao longo de todos esses anos. Não foi a primeira vítima de violência pública e gratuita, nem será a última. Até o momento em que este artigo foi escrito (22/03/09, 01:22), foram assassinadas em Pernambuco 928 pessoas (segundo dados do site www.pebodycount.com.br), sendo 81 homicídios só no período de carnaval. Aonde está o erro então ? Nas famílias cada vez mais desestruturadas ? Nas escolas que não ensinam para a vida ? No modelo capitalista de consumo que prega o ter mais em detrimento do ser mais ? No Estado que se omite de suas obrigações legais para com a população, como por exemplo educação, saúde e segurança ? Ou será, que somos todos culpados e ao mesmo tempo vítimas desse processo de banalização da violência, na medida em que nos acomodamos com ela até o dia em que ela bate a nossa porta e nos leva algum entequerido ? Não sei até quando poderemos viver ou melhor sobreviver nesta selva de pedra em que estão se transformando nossas cidades.
Que o futuro é incerto, nós sabemos, é intríseco ao tempo não determinar o que vai acontecer amanhã, mas viver sabendo que a chama da vida pode ser apagada bruscamente por um facínora, um fora-da-lei, um perverso, é de uma agonia gritante, é lidar com uma sociedade abalada, paranóica e aflita. Quem vai nos defender ? O Estado ? As autoridades ? Deus ? Ou será que no fundo, somos todos prisioneiros desse clima de insegurança, que se não tira sua vida, vai aos poucos tirando sua esperança, sua iniciativa, sua solidariedade, etc. Espero que exemplos como o do padre Ramiro não caíam no esquecimento. Ele provou que é possível mudar o outro, mas para isso é indispensável acolher, compreender, educar, enfim encaminhar para uma cultura de paz. Sempre.
* O autor é historiador, professor da rede pública estadual, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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