por José Ricardo de Souza*
Em tempos de Conselho de Classe, onde somos "obrigados" a aprovar a mediocridade, esta leitura talvez possa ser útil para a nossa reflexão:
Se você acha que este é um texto religioso, lamento decepcioná-lo, pois minha intenção é justamente outra. O que segue descrito nestas linhas, pode, no mínimo, ser comparado com um ato confessional, de como é grande a culpa, "mea grande culpa", diante de tantas distorções que se vêem por aí, quando o assunto é aprovar ou reprovar um aluno. É, sem dúvida, um momento muito delicado, e que deveria ser levado muito a sério, quando se atribuí um conceito ou nota para alguém, atestando, para todos os fins, que esta pessoa está apta para prosseguir sua carreira escolar ou para exercer uma profissão, se for o caso. Qualquer aluno aprovado, passa, assim, a receber o aval de um professor, que legitima que esse aluno, de fato, assimilou os conhecimentos exigidos no decorrer do curso. A dúvida, que se coloca é, será que, realmente, todos os alunos aprovados adquiriram o saber que o documento - diploma ou certificado - lhes conferem ? Infelizmente, acredito que não.
Existe uma política assistencialista que está corroendo o sistema de ensino, principalmente, o da escola pública. Sabendo que tem uma clientela de origem humilde, que precisa trabalhar desde cedo para sobreviver, sem muitas perspectivas de futuro ou oportunidades que garantissem uma melhor posição na sociedade, muitos professores, educadores, e até diretores de escola, acreditam que a melhor saída é a aprovação massificada de alunos empobrecidos, não apenas do ponto de vista econômico, mas também cultural e educacional. A maioria, sequer sabe ler ou escrever, e quando sabem são incapazes de interpretar aquilo que estão lendo, o que demostra que são verdadeiros analfabetos escolarizados, pessoas que atestam, de forma inequívoca, a falência de um sistema que teimosamente, insiste em aprovar, sem exigir conhecimentos prévios e adquiridos. As estatísticas de aprovação, frios números que ocultam a realidade, servem aos interesses dos tecnocratas do ensino, que em seus gabinetes, mostram-se satisfeitos, e passam para a população uma propaganda enganosa de que o Estado cumpriu seu papel, ao colocar na rua, tantos e quantos estudantes, todos aprovados. A mesma propaganda, se faz, quando se afirma que todos devem estar na escola, mas será que existe escola para todos ? E se existe, será que todos têm acesso a uma educação de qualidade, ou se incham as escolas de alunos, com classes superlotadas, sem um mínimo de infra-estrutura para desenvolver o processo pedagógico ?
O aluno, quando aprovado por mera piedade dos professores, é o mesmo que não encontra vaga no mercado de trabalho, por não ser suficientemente qualificado, é aquele que nunca consegue passar no vestibular da universidade ou num concurso públicos, e pior ainda, é aquele que legitima o sistema excludente e opressor, porque não tem consciência política, se acomoda, não participa dos movimentos sociais, e é facilmente manipulado pela mídia, tornando-se um servo fiel e dócil dos poderosos. É justamente neste tipo de aluno, que se revelam as maiores fissuras do modelo educacional, que privilegia a piedade ao invés do conhecimento. Além de ser aético, tal prática não ajuda, muito pelo contrário, até atrapalha, a superação dos estados de pobreza a que milhares de pessoas estão jogadas, porque omite-se a incompetência de muitos alunos, em admitir que, sinceramente, estão incapacitados de fazer jus ao título que a "Escola piedosa" lhes confere, aprovados pelo sistema falido, mas reprovados pelo mercado de trabalho e pelos vestibulares e concursos da vida.
A aprovação de um aluno deveria se pautar em critérios éticos, sendo ela, uma conseqüência da adquisição de conhecimentos, como se fazem nas Escolas mais sérias, comprometidas em formar indivíduos aptos a exercerem seus papéis de cidadãos e de profissionais competentes e qualificados, sem essa preocupação criminosa de se aprovar por quantidade em detrimento da qualidade. Façamos uma reflexão séria sobre o mal que estamos praticando quando aprovamos, mesmo que por dó de quem tem poucas chances de estudar, e acaba penalizado por isso. Não seria melhor parar um pouco para aprender mais, do que passar adiante, sem nenhuma base ou estrutura, para consolidar o caminho ? A Escola pode até facilitar a vida desses alunos empobrecidos, mas certamente terão que pagar um preço muito caro por isso. Afinal, os atalhos conduzem aos vícios, mas para quem pretende chegar à virtude, só mesmo trilhando o caminho da retidão. E este, é sempre longo, cheio de dificuldades, de desafios, exige muitas renúncias, mas no final, sempre se atinge o ideal desejado. É preferível reconhecer nossas lacunas, do que atestar nossa decadência. Devemos ter piedade sim, mas não dos alunos "coitadinhos", mas dos supostos educadores que ainda acreditam, e praticam, essa farsa montada para dissimular a desordem que impera no país.
* O autor é historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.