por José Ricardo de Souza*
Antes de começar a ler este artigo, pense na sua filha, na sua irmã, ou quem sabe numa sobrinha ou prima; mas lembre-se de que elas precisam ter menos de quinze anos, e mais de um sonho na cabeça.
Anoiteceu. Sob o véu da escuridão e cumplicidade de um esquema que empurra para a indústria do sexo, elas vão chegando para mais uma "jornada de trabalho". Ainda meio perdidas entre a adolescência e a idade adulta, centenas de meninas-moças fazem da prostituição seu único meio de subsistência. Por quantias ínfimas, elas não apenas vendem o corpo, mas também a honra, a dignidade e principalmente o sonho. Sonho de quem acredita que o poder do dinheiro pode comprar uma noite de prazer. Por outro lado, o sonho de quem espera, um dia, sair do mercado do sexo. Contradições de uma sociedade moralista, mas que incita na juventude o desejo desenfreado da sexualidade, e quando esta se vê perdida entre beijos, transas e gravidez, às destina para satisfazer os caprichos de quem pode pagar por uma relação sexual; mesmo que esta seja praticada com alguém que tem a idade de ser sua própria filha, por exemplo. Do ponto de vista sociológico, podemos chamar este câncer social de prostituição infantil, mas não seria incorreto denominá-la de covardia, ou talvez pilantragem.
Como pode um homem, pelo menos é assim que ele se denomina, deitar-se com uma criança, que mal saiu da infância, com seus sonhos de moça (namorar, casar, ter filhos), e tirar desse ser indefeso um prazer carnal, mundano, erótico. E tudo por miseráveis notas de alguns reais, pois o grosso mesmo do dinheiro, não fica nas mãos de quem se deita na cama, mas sim de quem agencia o destino dessas pobres meninas. Segundo a lei, ter relações carnais com pessoa de menor idade, consentidas ou não, é crime, mas fica a pergunta, quem punirá os responsáveis pela prostituição infantil ? Infelizmente, ninguém. A sombra da impunidade cobre os verdadeiros beneficiados com a venda dos corpos dessas meninas. E a miséria social que corroí as nossas cidades serve de celeiro para a formação de novas meninas-moças prostituídas pela necessidade de sustentarem-se a si e a seus familiares. Quando faltam valores morais, religiosos ou familiares, desses que a televisão com suas novelas odiosas tem ajudado a destruir, fica mais fácil alguém se deixar cair nesse submundo de exploração e injustiça. Afinal, quando não existe pudor nem respeito, deitar com alguém que nunca viu só por uns trocados, deixa de ser uma infâmia e passa a ser uma banalidade. Uma triste banalidade.
Deixo a título de testemunho a história de Cândida (obviamente, nome fictício). Aos 16 anos, faz "programas" nas avenidas de Boa Viagem. Filha de pais separados, espancada pelo padrastro, "se perdeu" aos 12 anos com o namorado. Desde então, descobriu, junto com uma amiga, que poderia ganhar a vida, emprestando seu lindo corpinho de adolescente para a prática de sexo. "No começo, foi difícil", falou ela, "tinha nojo dos homens, só queria que terminassem logo, que saíssem de cima de mim". Os relatos de Cândida não diferem do cotidiano de violência e exploração a que estão submetidas as demais prostitutas, quase sempre usadas e abusadas por homens sem caráter, que pelo fato de pagarem, acham que podem fazer com elas o que bem entendem. "Espero, um dia, poder sair dessa vida, mas é muito difícil, não tenho escola, e ninguém me dá um emprego. Queria casar, fazer uma família, saber o que é ser feliz, pois isso eu nunca conheci". As palavras expressam o que a maioria das meninas da noite querem na vida, uma oportunidade apenas, um caminho para que possam ganhar a vida, sem precisar recorrer ao mercado da carne humana.
O nome Cândida não foi escolhido aleatoriamente. Este nome, cujo significado indica pureza, ingenuidade, inocência, quer resgatar uma característica do sórdido mundo da prostituição, que é a dignidade do ser humano que está por trás de uma prostituta. É óbvio que a prostituição, como meio de sobrevivência, é uma coisa condenável, mas não podemos esquecer de resgatar as principais vítimas da indústria do sexo, respeitando-lhes sua condição de ser humano. É fácil atirar pedras. É cômodo afirmar que quem vende o corpo o faz por preguiça ou safadeza. É muito simples dizer que mulher da zona não tem caráter. Entretanto, quem poderá julgar se alguém é prostituta ou foi prostuída por uma situação social de miséria e opressão ? E mais, por que os governantes não combatem a prostituição com programas de qualificação profissional para as prostitutas, dando-lhes uma oportunidade para ingressarem no mercado de trabalho ? Por que os agenciadores de menores não estão na cadeia, que é o lugar adequado para quem procura tirar dinheiro de um corpo inocente ?
As nossas ruas, avenidas e boates estão repletas de "Cândidas" esperando por uma luz no fim do túnel. Esperamos que elas a encontrem, mas que seja antes da AIDS, antes da violência e principalmente antes da morte. E que os governantes passem a encarar o problema como um câncer social, desses que precisam ser urgentemente extirpados, sem deixar nenhuma sequela. Se não for assim, nunca poderemos resolver o grave problema da prostituição das meninas do Brasil.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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