domingo, 22 de maio de 2011

Contra Alexandre Garcia e as concepções elitistas

Fiquei horrorizado com um texto de Alexandre Garcia sobre a polêmica do livro didático e decidi mandar um texto da Revista Fórum:

O livro que ensina a falar errado. O que deveria ser saudado em um livro que não humilha os falantes mais pobres, porque não os desqualifica, mas antes, como uma ressalva, lembra que “a sua fala não é errada, ela possui um valor, virou uma prova da mais alta incompetência do MEC.
Por Urariano Motta [19.05.2011 10h50]

Nesta semana, o “Bom Dia Brasil”, nome do telejornal que desconhece o vocativo, abriu espaço para uma aula magna de Alexandre Garcia. Em breve editorial, Alexandre fulminou o livro “Por uma vida melhor”. Entre outras sábias reflexões, assim falou Garcia:
-Pois, ironicamente, esse livro se chama ‘Por uma vida melhor’. Se fosse apenas uma polêmica linguística, tudo bem, mas faz parte do currículo de quase meio milhão de alunos. E é abonado pelo Ministério da Educação. Na moda do politicamente correto, defende o endosso ao falar errado para evitar o preconceito linguístico. Aboliu-se o mérito e agora se aprova a frase errada para não constranger.

A isso o professor Sérgio Nogueira apareceu como convidado. Mas antes, de modo espontâneo, o apresentador lhe levantou a bola: - Isso (esse livro) é o início do fim da gramática?

Ao que pontificou o mestre:
- O fim da gramática já vem sendo feito há um bom tempo por essa nova linha do ensino, na chamada linguística moderna, em que o certo e o errado é abandonado... vocês pagariam pra uma escola em que seu filho vai continuar falando a língua que ele não precisa, que pode aprender sozinho?

Ao que aterrorizou melhor o apresentador:
- A língua é um traço de união nacional. Ela estaria ameaçada?

No que concordou o brilhante professor:
- Neste caso, sim, porque é diferente você respeitar as variantes regionais, as variantes sociais, e não conhecer uma língua geral, uma língua padrão. Por sinal, é nosso trabalho constante na Rede Globo, que é conseguir essa linguagem, como no caso do Bom Dia, que atinge o Sul e o Norte, Leste e Oeste. Hoje o gaúcho da fronteira se comunica com o sertanejo.

“Graças ao ótimo trabalho de lingüística da Rede Globo”, nem precisou o mestre completar. Que coisa... As letras de um artigo não enrubescem de vergonha. Nem cabe, na medida deste espaço, mostrar o serviço danoso que as telenovelas da Globo têm feito contra a riqueza da fala nacional. Mas cabem 2 ou 3 coisas sobre o livro condenado.

Ele, o maldito que rompe a unidade e pureza da língua, não prestigia o “falar errado”, nem ensina a fala errada. Em um capítulo, em apenas um, o malvado chama a atenção para formas à margem da norma culta. Mas alerta que as falas têm o seu lugar, adequação diferente, em momentos solenes, na escrita ou dentro de casa. Escândalo.

O que deveria ser saudado em um livro que não humilha os falantes maispobres, porque não os desqualifica, mas antes, como uma ressalva, lembra que “a sua fala não é errada, ela possui um valor. Apenas tomem cuidado, porque em determinadas ocasiões essa variante faz da pessoa alguém menor”, virou uma prova da mais alta incompetência do MEC. É como se não houvesse estudos científicos da língua nas universidades, é como se os frutos dessa pesquisa não pudessem voltar a quem de direito.

Em toda a mídia, falaram entre naftalinas ou com o mais simples cheiro de mofo. Contra o livro se levantou uma guerra, um embate político e ideológico que faz a gente lembrar a difamação sofrida por Darwin, com um rabo até hoje porque teria dito que o homem descende do macaco. Ou como lhe perguntou um conservador no século XIX: “o senhor vem de um símio por parte de pai ou de mãe?”.Ou como afirmam os conservadores destes dias: “Aboliu-se o mérito e agora aprova-se a frase errada. Livro aprovado pelo MEC é uma inversão de valores”. Pois o governo agora ensina que nós vai tá bão.

No entanto, a palmatória que se levanta nem precisava ir tão longe: na própria imprensa se cometem todos os dias autênticas aberrações na ortografia, na sintaxe e no sentido das palavras. Há um novo léxico de novo-rico. Os apresentadores de telejornais falam récorde, em lugar de recorde, e nessa pronúncia nem são ingleses nem brasileiros. Os nomes franceses procuram ser pronunciados à francesa, e a comédia resultante disso é constrangedora. Não faz muito, criou-se um deus nos acuda porque Dilma virou presidentA. Não, ensinaram os doutos que não leem dicionários, ela é presidentE. (Muito contra a nossa vontade, queriam dizer.)

Por que nunca levantaram a voz contra Manuel Bandeira?
“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil”

Por que não impediram jamais a divulgação de versos tão sacrílegos?
Ah, Manuel Bandeira dominava a língua culta. Quem domina, pode. Quem não domina, se pode, para não falar rima menos pura.

Publicado por Direto da Redação.
http://www.flickr.com/photos/vfranulovic/.

(Enviado pelo professor André Luis G.Pereira)

13 comentários:

  1. Essa polêmica toda nasce justamente da ignorância, do conservadorismo, do elitismo nato que quer vigorar até na língua.Creio que nenhum professor de português vai para sala de aula ensinar a seu aluno :"Nóis vai", "nóis pode", "nóis compra"...nem "os livro", até por que se sabe que é papel da escola é ensinar a norma culta, mas também é obrigação da mesma combater o preconceito linguístico.Sobre isso, vejam o excelente artigo:

    http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745

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  2. Uma coisa é certa, apesar da polêmica: quando meu filho falar "os livro" não direi que ele pode falar assim, vou corrigir e mostrar que ele deve falar "os livros"!

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  3. Se alguém acha que terno, gravata e sapato em um escritório são as mesmas peças de roupa com as quais se deve tomar um banho na praia, então também devem achar que língua correta é somente uma, a língua padrão. Equívoco total! Certo e errado, neste caso, estão num contexto que só preserva o preconceito. A língua padrão mantém a identidade, mas os falares diferenciados ajudam a manter a comunicação. É só pensar um pouco a respeito. Ninguém se faz menor ou maior pelo modo de falar, isso é que tá "errado". também recomendo http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745

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  4. Meritocracia Já! Será que os Coreanos colocaram livros que criticam o "preconceito lingüístico" quando promoveram sua revolução educacional?
    Apoio o Alexandre Garcia!

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  5. Prof.º Paulo, você não estará "corrigindo" seu filho, mas sim mostrando a ele uma das variedades da língua portuguesa: o português padrão.As outras formas ele já sabe, assim como nossos alunos. É por isso que é obrigação dos professores de língua ensinar a norma culta, caso contrário, ninguém iria para escola ensinar ou aprender português.O que não se pode aceitar é que se tome a norma culta como única, menosprezando todas as demais variedades de língua existentes: as das favelas, das comunidades pobres, das ruas, das pessoas da zona rural, etc..
    Compreende?


    Caro (a) Lutando por cidadania,
    Já imaginou se todas as pessoas que nunca tiveram acessso a livros, gramáticas, escolas ou meios de comunicação os quais façam usam da norma culta passassem a entender que somente podem lutar por seus direitos por meio de uma única língua (no caso, a culta)?Já pensou no estrago que seria para cidadania dessas pessoas? Língua é ação, independente de ser norma culta ou não.Na verdade, o que o jornalista Alexandre Garcia quer é que essas pessoas se calem, porque ele considera que suas falas são "erradas", e é claro, que as concepções de vida dessas pessoas também são, pois elas não servem ao dogmatismo da Imprensa Golpista.Por isso, esses falares são tidos como feios, toscos ou desviados.Se a maior parte da elite adotasse a forma "os livro", com certeza, isso passaria a ser tido como norma culta.Mas, quem fala dessa forma é o pobre, o menos favorecido financeiramente, então...
    Desculpe-me, mas acho que Alexandre Garcia se meteu num terreno que ele não tem know-how para isso, ele não é um estudioso de língua, é jornaslita.De qualquer forma, respeito sua opinião, só acho que é possível fazer a revolução da educação sem propagar ainda mais preconceitos linguísticos.

    Abç a todos,

    Juliana

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  6. Para falar fora da norma culta (se eu dissesse falar errado já seria criticado) não é necessário escola...escola existe para ensinar a falar corretamente...o pobre também tem direito a falar segundo a norma culta...tirar esse direito do pobre é desrespeito, assim como criticar sua fala considerada "errada"...
    A ignorância é instantânea, não exige esforço, aprende-se mesmo sendo preguiçoso, já a sabedoria exige esforço e dedicação.

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  7. Concordo com a professora Juliana, quando diz que ninguém vai ensinar ou ser estimulado a falar: "nóis quer", e outras expressões do gênero,mas o q se almeja é o respeito às variedades da língua portuguesa essa discussão em torno do preconceito linguístico sempre causa distorções. Ninguém, muito menos os professores de Língua Portuguesa, se prestarão a esse papel- dá pena mesmo- os que pensam assim!!Por outro lado, a quem ou a que servem esses discursos distorcidos? Pra mim, só enxergo a Elite brasileira que deseja calar a boca do povo sofrido. Ah...Alexandre Garcia, mas um caso seu de exclusão...
    abraço Ju
    Tania

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  8. Juliana concordo com seu ponto de vista! Sei que um cidadão brasileiro transformou a realidade de muitos outros sem falar a língua culta e que isso é perfeitamente possível! Mas também concordo que a escola não deva estimular o erro.
    Abraço e estamos na luta por uma educação de qualidade!

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  9. Por isso mesmo, Lutando por Cidadania, que eu disse que é papel da escola ensinar a norma culta.Lutemos por uma educação de qualidade, sem propagar ainda mais o preconceito! Só que educação de qualidade em PE está difícil, não é?
    :P

    É, Tânia, minha amiga de Petro?rsrs
    Sendo ou não, você está certíssima: mais uma tentativa da elite calar a boca do povo.
    Abç,

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  10. Sim, sou eu Ju. Estamos na luta!! E Parafraseando Chico Buarque... Apesar de Dudu pernambuco há ter um novo tempo....E q saia em disparada num passe de mágica. Claro, sem atrapalhar os professores e o trânsito..rsrs
    bjus
    Tânia

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  11. Tânia,
    Saudade imensa de vc!
    São tantos "apesares", mas, enfim, sobreviveremos.
    Um beijo,
    Juliana

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  12. Alexandre Garcia, vc em poucas palavras conseguiu expor sua (nossa) indiguinação pela aprovação deste livro.
    E ainda tem gente que concorda com tamanha aberração, defendem a burrice com frases idiotas, tais como:
    "coisa da elite"
    FALAR CORRETAMENTE, INDEPENDE DE QQ COISA É O CORRETO E PRONTO.
    Estudei em colégio Público até a oitava série e minha PROFESSORA de Português (D. Norma Rodrigues do Nascimento Maroti)que era Professora de verdade, me corrigia e eu não me sentia humilhado por isso.

    Obrigado Alexandre Garcia, vc sabe escrever, e falar corretamente.

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  13. oiii??? Caro Cesar,

    Primeiramente, se a Rede globo preza tanto pela norma padrão, o nome desse telejornal deveria ser "BOM DIA, BRASIL" mas creio que para a emissora não faz diferença se existe ou não o VOCATIVO. O próprio Alexandre Garcia, nesse infeliz discurso transmitido pela Golpista, usa termos como "quando eu TAVA no primeiro ano..." oiii? Não seria "ESTAVA"? E ainda, "anda caminhando PRO sentido contrário..." Não seria PARA O sentido contrário? A sociolinguística existe há mais de 150 anos e não há nada de NOVO em combater preconceitos linguísticos e respeitar as pessoas independentemente do seu modo de falar. Se conhecer a norma culta garantisse ascensão social como prega esse jornalista golpista, os professores de português estariam ricos...

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