JORNAL DO COMMERCIO 23/03/2008 – CIDADES p. 06.
POR CIARA CARVALHO
Esqueça os baixos salários. A repetência. A evasão. As escolas públicas de Pernambuco estão padecendo de um problema que extrapola o mundo das letras. A violência invadiu a sala de aula. Pior. Está sendo gerada dentro dela. Alunos têm espalhado medo e até morte num ambiente que deveria ser de educação. Qual o limite entre a indisciplina e a delinqüência? É um limite que um cadeado não consegue impor. Na escola Vila João de Deus, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes, professores e alunos se trancam para tentar barrar a violência. O portão, que dá acesso às salas de aula, só é aberto no intervalo. Nem assim a insegurança fica do lado de fora. Há 10 dias, alunos quebraram o quadro de energia, estouraram bombas e geraram pânico na unidade. Lá, como em várias escolas visitadas pelo JC, no Grande Recife, professores, diretores e alunos vivem reféns do medo. Um terror gerado por vândalos vestidos de farda e com mochila nas costas.
A situação não é recente, mas tem piorado a cada dia. E já chegou ao absurdo de estudantes estarem sendo aprovados na lei da marra. Professores afirmaram, e diretores confirmaram, que estão “passando” os alunos, com medo de sofrer represálias. São jovens que faltam o ano inteiro e, no fim do semestre, fazem ameaças para não serem reprovados. O depoimento de uma diretora de uma escola estadual é surpreendente. “Na semana passada, uma mãe de uma aluna esteve na minha sala, exigindo que a filha fosse colocada no turno da noite porque seria mais fácil aprová-la. Sei que ela anda com matadores e não pude fazer outra coisa, senão transferi-la. Pode ter certeza que a estudante será aprovada porque nenhum professor terá coragem de enfrentar essa situação.”
Em outra escola, a reportagem ouviu o relato de uma professora que, mesmo envergonhada admitiu ter aprovado um aluno do 1º ano, para tentar se livrar dele. “Estamos apavorados. São delinqüentes fardados. Alguns andam armados. No ano passado, fui ameaçada de morte por um estudante. Não vou perder a vida por uma escola que os alunos não têm mais respeito. Quem vai nos proteger na sala de aula? E fora dela? O melhor é fechar os olhos”, declara.
É a falência do ensino, já tão cambaleante pelas suas próprias mazelas. Uma realidade que a Secretária Estadual de Educação admite: embora não seja generalizada, é verdadeira. “Temos informações de que isso está acontecendo, de que, por medo, professores estão aprovando alunos. Estamos estudando os casos para analisar como vamos agir”, afirma a secretária-executiva de Desenvolvimento da Educação, Aída Monteiro. O problema tem tomado uma dimensão tão grande que a secretaria pretende, este ano, fazer uma capacitação para preparar professores e diretores a enfrentar a violência vinda de fora e de dentro do colégio.
A tarefa não é fácil. A Escola Estadual Maria Emília Estelita, em Ouro Preto, em Olinda, ainda não se recuperou do trauma que viveu, há cerca de 20 dias, quando o vigilante da unidade foi assassinado por dois alunos. Foi um episódio extremo de violência numa rotina diária de insegurança. Freqüentemente, a escola era invadida por pessoas que pulavam o muro para usar drogas nas dependências da unidade ou via alunos ameaçarem outros de morte. A resposta foi pontual. Após a tragédia, dois policiais militares foram colocados no colégio, nos turnos da tarde e da noite. Uma tranqüilidade aparente. A direção diz que outros alunos com perfil violento, continuam na unidade de ensino. E não há como expulsá-los. Como disse um professor da escola: “o que resta agora é apelar para Deus e para a sorte para que nada mais aconteça.”
O DESABAFO
“Sou uma pessoa totalmente frustrada e assustada com a minha profissão. Não consegui colocar em prática tudo o que aprendi nos anos de faculdade. E hoje me deparo com uma sala de aula cheia de alunos que não dão a mínima para o que estou dizendo. Só querem saber de drogas, apagar as luzes da escola, quebrar as bancas, destruir o próprio ambiente deles. Nós, professores, estamos acuados na própria sala de aula. Ao tentar passar algo de bom, vem sempre a pergunta: ‘professora, para que estudar? Se eu não vou ter oportunidades? Quanto a senhora ganha para estar aí? Meu pai é alcoólatra, mataram meu irmão e eu só quero a Bolsa-Escola’. É o que eu escuto todos os dias. E o que eu vejo é ainda pior. Dou aula com medo para jovens que eu deveria estar ensinando a serem cidadãos. Como resgatar esses meninos? Com quem contar? Só conto comigo mesmo. E, às vezes, caio num vazio existencial porque os anos passam, mudam-se os governos, inventam novos projetos e a qualidade de vida minha e de meus alunos só piora. Diante de tanta dificuldade, ou desisto da profissão ou me acomodo. É mais do que um sentimento de incompetência. A sensação é de fracasso. Infelizmente, me sinto incapaz de resolver tudo isso que jogaram na minha mão. Por onde começar?”
DEPOIMENTO DE UMA PROFESSORA DE UMA ESCOLA ESTADUAL SUBMETIDA À VIOLÊNCIA DIÁRIA.
Boa parte da culpa da situação ter chegado nesse nível vem da omissão dos próprios professores.
ResponderExcluirA matéria cita que pretendem realizar uma "capacitação" (para a SEE tudo acaba e se resolve com capacitação) para que os professores lidem com a violência. Vão chamar o BOPE e sua famosa "Tropa de Elite" para treinar os professores?
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