por José Ricardo de Souza*
Dentre as celebrações litúrgicas da Semana Santa, a Páscoa merece uma reflexão especial pela riqueza de significados que possui, e por representar em si a Ressurreição de Jesus Cristo, uma prova de que, mesmo diante do martírio que Ele viveu, a vida teima em derrotar a morte. Para os judeus, a Páscoa também tinha implicações com a vida, uma nova vida conquistada após a saída do Egito, quando sob a liderança de Moisés, o povo hebreu conseguiu livrar-se da escravidão imposta pelo Faraó. Portanto, celebrar a Páscoa era, para os judeus, reafirmar o pacto com Iawvé, o Deus dos oprimidos, que tirou seu povo da terra da servidão. A própria palavra Páscoa significa passagem. Uma passagem difícil, sem dúvida, onde muitas vezes faltou a fé, mas nunca a esperança de alcançar a tão sonhada terra prometida aos descendentes de Abraão. Todavia, o esforço de Moisés não se perdeu em vão. Uma vez livres, os hebreus puderam construir uma nova história, enfim recomeçar a vida.
O cristianismo apropriou-se dessa preocupação com a vida no momento pascal, e foi mais além quando associou a Páscoa com a ressurreição de Jesus, naquele domingo longínquo, quando as mulheres perceberam o seu sepulcro vazio, e receberam dos anjos a mensagem mais bela da história do cristianismo: "Ele não está aqui, ressuscitou, como preveram os profetas". Nosso Jesus, o mestre maior de todos, foi o único capaz de vencer a própria morte. Na história das religiões, podemos citar grandes profetas e líderes religiosos. Moisés, Maomé, Buda, e tantos outros. O que os distingue do Cristo ? A morte levou a todos, mas só Jesus foi resgatado do reino dos mortos, para demonstrar que em hipótese nenhuma podemos perder a esperança na ressurreição, na certeza de que a vida é maior do que a morte, pois a vida foi, é, e será eterna, independente de qualquer lei física ou natural.
E entre nós, como podemos celebrar com dignidade a Páscoa de Cristo ? Parece difícil, uma vez que temos tantos sinais de morte, de dor, que até parece que o anti-reino é mais forte do que as nossas esperanças na construção de uma vida verdadeiramente digna. Diante de tantas dores e medos, numa sociedade onde a maioria nada tem, enquanto poucos regateiam-se com o lucro do trabalho explorado e mal remunerado, num mundo marcado pela violência gratuita, pela corrupção de quem devia governar com justiça e equidade, pela dor de tantas famílias, crianças e idosos abandonados, e com uma natureza tão bela e distinta sendo miseravelmente massacrada pelos interesses do capital ganancioso, quantos sinais de morte, quantos motivos para acabarem com a nossa Páscoa, a nossa certeza e esperança de ressurreição.
Entretanto, a vida teima em vencer os sinais da morte. E mesmo onde existe apenas lama e desesperança, uma tímida flor insiste em existir. É a flor da nossa fé, da nossa esperança que se traduz e gestos concretos de solidariedade e de justiça. Nem tudo está perdido, pode estar para os homens, mas o plano de Deus é diferente de tudo o que pensamos. O ato de ressuscitar de Cristo não foi apenas uma demonstração de força, mas uma prova viva e inconteste de que o mal será derrotado, o oprimido libertado, o justo recompensado, e o sangue dos mártires será a semente de uma nova sociedade, onde a vida possa exibir-se em graça e plenitude.
Aleluia. Cantai louvores, pois não é todo dia que a vida vence a morte. Enchei-vos de contentamento, pois o Senhor Nosso Deus, é o Deus da Vida, o Deus da Ressurreição. A morte foi derrotada naquele instante em que Jesus rompeu aquela rocha de seu sepulcro. Desde então, podemos crer fielmente que, segundo, a promessa do Pai, um dia todos também ressuscitarão, e a morte perderá seu sentido. Enquanto esse dia não chega, podemos começar derrubando os sinais de morte em nosso meio, lutando sem temer, contra tudo aquilo que tira do homem a dignidade e a honradez, as quais Deus deu indistintamente a todos, para que pudessem desfrutar de sua magnificência e sabedoria. Páscoa, é um sinal de vida, eternamente fundamentada na esperança de um novo mundo de paz, justiça e principalmente de vida em abundância, pois foi Jesus mesmo quem afirmou que "vim para que todos tenham vida" (João 10, 10). E a Páscoa é a celebração da vida.
* O autor é historiador, professor, escritor; membro da ALEP - Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.
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