quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A GREVE DOS PROFESSORES E A FÚRIA DO ESTADO




Jornal de Arcoverde – Edição 222 – Julho/2007 (Pág. 04)
Francisco Galindo

Este texto foi gentilmente encaminhado pela professora Katyuscia Carvalho e por outros professores do município de Venturosa. Nós agradecemos a contribuição.



Havia certo Eduardo e uma promessa de melhor Educação, de melhor Saúde, de maior Segurança. Havia certo Eduardo e um voto de confiança quase geral. Havia certo Eduardo e compromisso de trato democrático. Havia certo Eduardo e juramento de relações civilizadas. Eduardo, o breve, desmoronou. Enquanto escrevo, passaram-se cinqüenta dias do movimento de reivindicações dos professores de Pernambuco, tratado com arrogância e desdém. O golpe mais duro acontece neste comecinho de agosto, com a decisão do governo em contratar professores temporários, substituir mão de obra demitindo mestres concursados.

Eu próprio volto ao trabalho. Envergonhado. Rendido pela cobrança de sobrevivência. Eu próprio volto ao trabalho, afetado, contrafeito, sob ordens, sob censura, sob vigilância, puxando pelo grilhão dos condenados a quem é negada melhor sorte que a submissão. Hoje voltei para dar aulas, num fim de greve que não acabou, ameaçado de demissão. Volto, como saí, com razões para não estar aqui. Volto pras aulas exigido aos esforços mentais, mas a alma zangada e ferida, escandalosamente perplexa. Foi neste homem que votei e votamos tantos de nós, não foi bem este modo de governar que pensamos ter. Volto covardemente, imaginando que outros resistirão, no sacrifício em que também se arrasta a família, num dilema doloroso de expor-se, expondo gente mais vulnerável.

Aprendi, faz tempo, que os governos podem e a gente só pressiona. Mas teimo em pretender que também podemos formar opinião e como Geir Campos, ainda que mordamos o fruto amargo, haveremos de denunciar quanto é amargo. E ainda que cumpramos o trato injusto, denunciaremos quanto é injusto. Esta é a tarefa nestes dias em que professores devem engolir um salário maldito, fustigados por um governo soberbo, por uma justiça mancomunada. O abuso do poder ainda é poder? O abuso do direito é legítimo? O nosso Souza de Macedo é que pensava uma gradação, a que faria bem que retomássemos, em que uma sociedade deve estar fundada numa União, a União sobre a obediência, a obediência sobre as leis, as leis sobre a justiça, pelo que tirada a justiça caem as leis, caídas as leis falta a obediência, faltando a obediência se destrói a União, destruída a União, acaba-se a sociedade, levantam-se inimizades, revoltas e confusões.
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Não saio do movimento de greve. Sou empurrado de volta, porque não mais respondo sozinho pelos meus atos, porque não defendo minha isolada sobrevivência. Volto com as mesmas faltas e convicções, com o salário infame dos professores, com as condições mesquinhas de trabalho, com as cobranças mais altas, com magras perspectivas, com o cinismo dos governos, com um orgulho danado de professor que não se quebra. Volto com a vergonha própria daquele mestre que açoitado pela inquisição admitiu que a terra era inerte, e gritava calado “mas que se mexe, mexe”. Volto pra dizer pros meus alunos que ainda há muito por lutar e que os aliados aparentes podem soltar veneno, podem ferir a carne, podem exercer a humilhação. Volto com a nostalgia de outras vitórias, o aceno de que nem sempre se perde, de que alguns recuos podem ser prova de coragem, de que a história reserva surpresas, de que não estamos prontos, de que perdemos de novo, mas estivemos do lado certo.

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