por José Ricardo de Souza
historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista
A série de atentados terroristas ocorridos no dia 11 de setembro de 2002 foi carregada de significados simbólicos escolhidos, aleatoriamente ou não, para chocar a opinião pública mundial e demonstrar as fragilidades do sistema de defesa norte-americano. A execução dos atos de terror foram meticulosamente planejados, de forma que, cada ação tivesse um efeito moral, ou melhor desmoralizante, como se fossem pequenos atos cirúrgicos, com o objetivo de mostrar ao mundo as feridas abertas no coração da América capitalista.
A escolha dos alvos, no caso o World Trade Center, o Pentágono, e provavelmente a Casa Branca, revelam que os terroristas pretendiam muito mais do que destruir alguns prédios, levando consigo alguns vidas inocentes. Seus objetivos tinham um alcance maior, mais amplo, pois estavam lidando com símbolos, verdadeiros ícones dos Estados Unidos, e que portanto, se fossem atingidos, teriam uma repercussão ímpar na sociedade americana. As armas escolhidas, no caso aviões que faziam vôos comerciais internos, também revelam uma predisposição em atacar os Estados Unidos, usando empresas de nacionalidade norte-americana (no caso a American Airlines e a United Airlines).
O principal alvo atingido, o World Trade Center, era muito mais do que dois grandes gigantes de concreto incorporados no conjunto arquitetônico de Nova Iorque, as torres gêmeas eram símbolos da prosperidade norte-americana. Nada poderia representar melhor o capitalismo globalizado do que o World Trade Center, pois lá existiam mais de 500 empresas, e circulavam por dia, aproximadamente mais de 100000 pessoas, das mais variadas nacionalidades (inclusive brasileiros), dentre turistas e pessoas que trabalhavam nas dependências dele. Podemos dizer que o World Trade Center era um micromundo que simbolizava o cosmopolismo nova iorquino, ou seja, o estereótipo da cidade dos sonhos de qualquer habitante do Terceiro Mundo, uma terra de oportunidades, como se referiu um dos brasileiros que lá vivem.
O tempo decorrido de aproximadamente vinte minutos entre um colisão de um avião e a outra, foi o suficiente para que as grandes redes de TV americana mostrassem em tempo real, para todo o mundo, o impacto do segundo Boeing contra o edifício. Numa escala planetária, milhões de pessoas assistiram toda a manipulação do horror terrorista do que pode ser considerado o maior e mais bem articulado atentado de todos os tempos. Ficou demonstrado a força veicular dos meios de comunicação, agora numa escala verdadeiramente globalizada, fazendo uso de recursos como satélites, TV a cabo, Internet, etc.
Atingir o Pentágono, outro símbolo do poderio norte-americano, foi mais outra ação ousada dos terroristas. No Pentágono estão sediados o Ministério de Defesa e o Estado Maior das Forças Armadas. A idéia que cerca o Pentágono sempre foi a de uma fortaleza inexpugnável, que jamais poderia ser atingida, monitorada pelo que há de mais avançado em serviços de segurança e inteligência. O ataque terrorista veio pôr toda essa premissa por terra. O Pentágono mostrou-se, tão vulnerável, como Nova Iorque, ou qualquer outro ponto que fosse escolhido para um ataque. Algo que, na época da Guerra Fria, poderia até ser pensada do ponto de vista de uma invasão externa, mas nunca imaginada a nível interno, ainda mais atingido por aviões tomados por seqüestro, e jogados contra o símbolo maior do belicismo americano.
Outros possíveis, ou prováveis alvos que foram citados, mais precisamente a Casa Branca e a casa de campo do presidente da república em Camp David, também possuem conotações simbólicas, pois ambas servem de residência para o chefe maior da nação, no caso o próprio presidente, além da coincidência (ou não) de que foi em Camp David que foram assinados vários acordos de paz entre palestinos e judeus. O ato de morrer num ataque suicida também possuí sua mística simbólica, pois terroristas que optam por esta vertente, acreditam piamente que lutam por uma causa sobrenatural, ou mesmo divina. Para eles, morrer para a honra e glória de Alá, não é o fim da existência em si mesmo, mas sim um caminho para a recompensa eterna, para a salvação do espírito, numa perspectiva mais ampla.
Os Estados Unidos não tiveram apenas perdas significativas no ponto de vista material e humano, mas principalmente nas simbologias que cercam o imaginário de qualquer povo ou cultura do mundo. O que mais causa dor na América ferida e duramente atingida, não é apenas a desmoralização pelos estragos ocorridos, mas também a marca da destruição em idéias, conceitos, paradigmas que fundamentaram a ideologia da supremacia norte-americana durante anos. Para se contrapor a isso, os norte-americanos tentam reabilitar seus símbolos. O uso constante da bandeira nacional, pode ser citado como um exemplo dessa busca pela auto-estima magoada e ferida após os atentados.
* Artigo publicado na Folha de Pernambuco, edição de 11 de setembro de 2003, página de cidadania.
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