sexta-feira, 7 de setembro de 2007

O Processo de Emancipação Política do Brasil

por José Ricardo de Souza
historiador, professor da rede pública estadual de ensino, escritor, poeta; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista
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No dia 7 de setembro de 1822, o príncipe-regente dom Pedro de Alcântara recebeu às margens do riacho Ipiranga, duas cartas, uma de José Bonifácio de Andrada e Silva e outra de dona Maria Leopoldina. Nelas, ambos aconselhavam dom Pedro a anunciar a emancipação definitiva do Brasil em relação a Portugal. Após um longo discurso patriótico, dom Pedro teria concluído a cena com o famoso “grito do Ipiranga”. Foi assim que aprendemos como o Brasil se tornou livre de Portugal, numa visão elitista da História, como se personagens únicos fossem responsáveis pelas grandes mudanças históricas. A emancipação política do Brasil foi um longo processo que começou com a crise do sistema colonial europeu, e a formação do pensamento liberal burguês, responsável pela difusão de idéias libertárias.

A Independência dos Estados Unidos da América (1776) foi o primeiro dos movimentos de libertação nacional das Américas, onde houve de fato uma ruptura entre as relações colônia e metrópole. Os americanos (do norte) conseguiram impor a Inglaterra uma derrota singular numa guerra que se arrastou por sete anos, mas conseguiram formar um Estado Nacional capaz de caminhar com as próprias pernas. No Haiti, a experiência emancipacionista foi ainda mais revolucionária: um negro lavador de porcos, Toussaint L’Ouverture, conseguiu levantar a população empobrecida para participar também do processo (1791-1801). O Haitianismo ficou como um sinônimo de revolta popular, encabeçada principalmente por negros e seus descendentes. A Revolução Francesa de 1789, consolidou a burguesia como a nova força política européia.

A nova organização mundial da época se refletiu nas articulações políticas do Brasil. Inspiradas pelos princípios do Iluminismo, várias revoltas tentaram romper definitivamente o colonialismo português, como as Conjurações Mineira (1789) e Baiana (1798), além é claro da Revolução Pernambucana de 1817, mas sem sucesso. A própria vinda (ou melhor, fuga) da Família Real Portuguesa para o Brasil, escapando das tropas napoleônicas que invadiram Portugal, foi um desdobramento da nova configuração do cenário político europeu, desta vez disputada pela França napoleônica e pela poderosa Inglaterra industrializada. Como príncipe-regente, dom João assinou a Abertura dos Portos brasileiros às nações amigas (1808), que na prática favoreceu apenas à Inglaterra. A Elevação a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815) foi mais um passo importante para a emancipação, uma vez que o Brasil ganhava a autonomia administrativa. Quem não gostou das mudanças que a Corte Joanina trouxe para o Brasil foram os portugueses, que não queriam perder seus privilégios sustentados com as riquezas exploradas do Brasil. Num ato de força, reivindicaram através da Revolução do Porto de 1820 à volta de dom João VI para Portugal. Mesmo a contragosto, dom João cedeu aos revoltosos, mas deixou seu filho dom Pedro de Alcântara como príncipe-regente. É muito famosa uma citação que diz que antes de partir dom João teria confidenciado a dom Pedro um pedido: “se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar do que para alguns desses aventureiros”.

O medo de um movimento popular, fez com que as oligarquias rurais aceitassem o comando imposto por dom João VI, uma vez que com dom Pedro no poder teriam garantias seguras de nenhuma mudança na estrutura social. Formou-se então uma ampla articulação política para sustentar o desenrolar do processo de emancipação, que foi conduzido unicamente pelos latifundiários e políticos influentes ligados à aristocracia rural. As Cortes de Lisboa eram o principal inimigo dos emancipacionistas, e exigiam o retorno de dom Pedro a Portugal, além, é claro da recolonização do Brasil. Os demais encaminhamentos do processo, como o dia do Fico (09/01/1822), o “Cumpra-se” (maio/1822), o Título de Defensor Perpétuo (maio/1822) foram alguns passos para a emancipação definitiva.

O rompimento entre Brasil e Portugal, com a emancipação política, não representou uma liberdade total, uma vez que o Brasil saía da dependência colonial portuguesa, mas caía no domínio capitalista dos ingleses. Pior ainda foi a situação do povo, dos pobres e dos escravos, que nada tinham a comemorar no dia 8 de setembro, uma vez que a Independência só beneficiou os ricos e os poderosos. Dom Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon foi coroado Imperador do Brasil em 1° de dezembro de 1823, permanecendo no governo até 7 de abril de 1831, quando abdica do trono em favor de seu filho dom Pedro de Alcântara, após um reinado marcado pelo autoritarismo e pela dependência econômica ao capital inglês.

* Artigo publicado na Folha de Pernambuco, edição de 7 de setembro de 2002, página de cidadania.

4 comentários:

  1. Parabéns José Ricardo pela excelente aula de História,o texto está brilhante, você faz por merecer o nome de historiador.
    Saudações...Ranieri

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  2. Esta é verdadeira a história da "Independência do Brasil" que não aprendemos na escola.
    Que independência foi esta se permanecíamos presos ao representante da burguesia européia em território brasileiro?O que nos entristece é saber que a história da Independência continua sendo contada e comemorada( ainda por muitos),recheada de folclore e bastante fantasias.

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  3. Esta bela análise do processo de "independência" do Brasil serve de exemplo para firmar a seguinte constatação: nossa autonomia é coisa fantasiosa e ainda não foi cumprida mesmo após 185 aniversários do "grito do Ipiranga".

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  4. Gostei muito do artigo, que mostrou os reais acontecimentos no período de tempo até a Emancipação do Brasil, se é que podemos achar que realmente em 1822 houve uma emancipação definitiva, ou seja, a independência real do Brasil.

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