Por Maria Lúcia Cavalcante
professora da rede estadual de Pernambuco
Em assembléia realizada no último dia 03 de julho, na quadra do IEP, no centro de Recife, os trabalhadores em educação do Estado de Pernambuco, decidiram retornar às suas atividades pedagógicas após 53 dias de paralisação. A greve desta categoria, juntamente com os problemas vivenciados pela área da saúde pública, sensibilizou a opinião pública, fato refletido na queda da popularidade do governador Eduardo Campos, que tratou esses profissionais com mãos de ferro, contrariando todas as expectativas que os mesmos tinham em relação ao seu governo.
O fim da greve não representou uma vitória financeira, uma vez que dos 16% exigidos foram alcançados apenas 5%, continuando os educadores da rede pública de Pernambuco com o pior salário do Brasil. Como justificar o fato de que a segunda maior economia do Nordeste paga o pior salário de educação da região? Consequentemente, não se pode esperar que a educação pública do Estado alcance melhorias, ou seja, permanecerá como a pior de todo o país. Este é o quadro que os educadores deste Estado lutaram para modificar, sem, contudo, obterem o devido sucesso. Apesar disso a greve demonstrou que esta categoria está viva, e que ainda é capaz de lutar, não se acomodando com a mediocridade do sistema nem se deixando enganar pela demagogia dos discursos de grupos que representam o poder constituído.
Os educadores pernambucanos voltam às suas escolas, mais uma vez, sem alcançar seus objetivos. Mas não o fazem por falta de forças nem por covardia. O que lhes faltou foi apoio. As batalhas foram ferrenhas e constantes. A começar pelo patrão, personificado pelo governador Eduardo Campos, que demonstrou habilidade e eficiência ao desempenhar seu papel de representante do Estado burguês, cujo principal objetivo é defender o capitalismo que, para tanto, subjuga as classes trabalhadoras. Também foi preciso enfrentar a imprensa que, às vezes, apresentou-se como faca de dois gumes, podendo personificar seus acusadores em figuras como a do comunicador Geraldo Freire, que não tem autoridade nem capacidade para julgar os educadores deste Estado, uma vez que ele, em termos educacionais, presta um desserviço à sociedade pernambucana através da linguagem de baixo nível e desrespeitosa com que se dirige aos seus ouvintes.
No enfrentamento com a justiça, cujo símbolo é a venda, que representa a imparcialidade, neste caso, pode-se dizer que essa venda representou a cegueira a cerca da realidade dos educadores de Pernambuco. Ao decretar a ilegalidade da greve, a justiça tomou como referencial as legislações repressoras dos Estados Unidos e da Alemanha, esquecendo-se que tal comparação era descabida uma vez que os padrões sociais vivenciados por esta categoria nos referidos países são antagônicos à situação desrespeitosa que a mesma enfrenta em Pernambuco. A justiça pernambucana utilizou-se ainda da brecha encontrada na Constituição Federal brasileira, que não estabelece critérios específicos acerca da greve do funcionalismo público. Se esses critérios não existem, o resultado da sentença passa a depender ainda mais da interpretação dos juízes do que nos demais casos.
Nas representações político-partidárias junto ao governo os educadores se viram abandonados. Enquanto a crise na saúde pública fez surgir parlamentares que se ofereceram para intermediá-la, na educação a situação foi inversa. Nas passeatas e demais atos públicos realizados os parlamentares que se dizem representantes dessa categoria não apareceram. Nas assembléias, alguns se fizeram presentes com seus discursos oportunistas, porém, sem entrar na luta de fato. No final do processo, os educadores viram, estarrecidos, a deputada Tereza Leitão posicionar-se ao lado do governo ao afirmar que a categoria precisava entender que "há limites". Por fim, e talvez, a pior de todas as lutas foi contra o próprio sindicato. Sendo seus dirigentes conhecedores de que o governo havia reservado o mês de julho como data de negociação com o funcionalismo público, independentemente de sua data-base, convocou uma assembléia no início de junho e conduziu os profissionais de educação da rede estadual de ensino a decretar o estado de greve. Permanecendo o governo firme em seu calendário de negociação, o sintepe conduziu os educadores à deflagração da greve no dia 08 de junho, de modo que a mesma ainda nem havia sido votada e já circulavam boletins do Sintepe afirmando que "estámos em greve".
No dia 03 de julho, ao aproximar-se a data estabelecida pelo governo, em assembléia realizada na quadra do IEP e sob o argumento de que o canal das negociações havia sido reaberto, os dirigentes do sintepe passaram defender o término da greve. No entanto, sentindo-se utilizada como massa de manobra pela direção de seu sindicato, que parecia querer fazer média entre a categoria e o governo, a base reagiu posicionando-se contrária a tal proposta. Ao ser confrontada a direção sindical abandonou a categoria, posicionando-se ao lado do governo, o que ficou claro nas palavras de Fernando Melo, que "ameaçou" a categoria ao pronunciar frases como: "nós não nos responsabilizamos pelas conseqüências" dessa decisão e "cuidado com as estrelinhas no contra cheque". Este discurso, somado aos demais proferidos pela direção do sintepe instigou a base a levantar-se em defesa da causa da educação, fazendo emergir de seu interior um grupo organizado de forma coerente e responsável para fazer oposição à direção do sintepe.
Ao perceber a reação da base a direção do sintepe tornou-se mais cautelosa, procurando não se indispor diretamente com a categoria nem com o governo. Prova disso foi o empenho que teve para impedir que os educadores fossem ao Centro de Convenções, em Olinda, em um ato de protesto durante a visita do presidente Lula, que lá esteve reunido com o governador Eduardo Campos, o prefeito de Recife, João Paulo, a prefeita de Olinda, Luciana Santos e diversos secretários estaduais, municipais e personalidades políticas. Outro fato também foi o não cumprimento, por parte da direção do sintepe, de propostas aprovadas em assembléias, como foi o caso da campanha de doação de sangue ao Hemope, cujo tema seria: Eduardo, tenho sangue, para o povo e para a luta.O trabalho do sintepe se resumiria a fazer uma ligação para o Hemope para marcar o dia e avisar a imprensa, considerando-se que já havia até mesmo uma listagem com o nome dos voluntários.O sintepe passou por cima de decisões da base.Uma campanha desse tipo provavelmente fortaleceria o movimento causando desgastes na imagem do governo. Após a assembléia realizada no dia 30 de junho, o presidente do sintepe, Sr. Heleno, em entrevista ao blog do Jamildo, afirmou que a continuidade da greve era um contra-senso da categoria. Quando um presidente sindical faz esse tipo de afirmação, a categoria por ele representada sente-se órfã. É preciso que a base avalie determinadas posturas.
É diante dessas circunstâncias que os educadores de Pernambuco voltam à sala de aula. Apesar de não contabilizarem ganhos financeiros, fica o exemplo de cidadania dentro desta sociedade desprovida de esperanças. Mesmo lutando contra o governo, contra parte da imprensa, abandonada pela justiça, por seus parlamentares e por sua representação sindical, esta categoria demonstrou que tem a coragem de reivindicar seus direitos, que não está disposta a aceitar a condição de marginalidade a que está sendo remetida e que está disposta a se fazer respeitar pelo importante papel social de educadores e educadoras que são.
Os educadores pernambucanos não precisam voltar para suas escolas de cabeças baixas. Ao contrário. Demonstraram que mesmo lutando contra todas as forças não perderam sua dignidade. Se os professores ausentaram-se de suas salas foi para lutar por uma educação de qualidade. Ao retornar, devem fazê-lo de maneira digna pela bravura que demonstraram. Cabe à sociedade compreender que as cobranças não devem ser feitas aos seus educadores e sim ao governo e a todos os grupos que o apoiaram. Eles que justifiquem os rumos que se dá ao dinheiro público deste Estado e por que a saúde pública está um caos, a violência continua aumentando e a educação de Pernambuco vai continuar como a pior de todo o Brasil.
Belo texto! Ele precisava ser publicado em um dos jornais da capital.
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