sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A greve acabou, mas...


A assembléia que decidiu por fim ao movimento grevista dos trabalhadores em educação da rede estadual foi emblemática, pois significou a apoteose das contradições que marcaram o movimento. Foi uma greve que, durante boa parte de sua vigência, foi realizada sem sindicato, pois o Sintepe manteve um nítido alinhamento ao Palácio do Campo das Princesas e sua direção manteve um desgastante embate com a categoria. Esta situação foi particularmente flagrante nos instantes nos quais a direção sindical procurou terminar a mobilização celebrando acordos com o governo estadual partindo da premissa de que tinha a categoria sob seu controle. Foi um grave erro de avaliação, pois as pretensões da diretoria do Sintepe acabaram frustradas após as respostas negativas da base.

Enquanto se desenrolavam os acontecimentos, o governo Eduardo Campos viu-se diante de um impasse que não esperava nos primeiros meses de gestão, pois teve que enfrentar uma greve prematura e imprevisível. Ocorre que o próprio governador, quando em campanha, fomentou uma série de expectativas no funcionalismo que viveu uma minguada fase durante o governo Jarbas Vasconcelos (e também ao longo de sua extensão, quando Mendonça Filho dirigiu o Executivo Estadual) e, portanto, esperava-se muito de Eduardo. Os trabalhadores da educação viveram um caos de contornos dramáticos durante a longa fase jarbista e viram seus salários achatados ao pondo de atingir um lastimável patamar segundo o qual um professor pernambucano chegou a receber o “pior salário do Brasil”.

A própria direção do Sintepe tomou a iniciativa de deflagrar a greve em 11 de junho. A correlação de poder interno da base governista talvez pesasse no ato, mas a politicagem de medição de forças acabou fugindo do controle. A direção sindical, cuja constituição possui forte influência do PT e do PCdoB, achou que poderia dar cabo do movimento e encerrar a pantomima a qualquer momento, bastando um aceno palaciano, mas isto não correu!

A encenação virou verdade e a base engoliu a diretoria do sindicato, que passou a sofrer o revés de toda a situação. Tentar contornar tudo acabou sendo uma batalha complicada para a direção, pois a própria base estava comandando o processo. A decorrência desta situação foi verificada explicitamente em 3 de julho, quando a primeira manobra da direção buscou encerrar a greve. A base reverteu o quadro e decidiu manter a paralisação numa tumultuada assembléia que demarcou uma cisão no movimento, pois desde então uma via oposicionista foi sendo integrada.

Ao mesmo tempo, o governo já acenava que o sindicato estava mantendo uma postura subalterna diante das negociações, pois os secretários envolvidos nas reuniões não negaram que os representantes sindicais haviam acenado favoravelmente ao que fora ofertado. Daí então, a direção do sindicato experimentou uma consistente oposição e passou a ter em conta a possibilidade de ver ameaçada sua própria capacidade de influir sobre a base.

Na última terça-feira (dia 31 de julho), uma terceira tentativa de finalizar a greve foi orquestrada. A tensão e as desconfianças entre os dois blocos na assembléia eram claros e a direção acabou sofrendo nova derrota (era a terceira delas). A direção sindical acabou atingindo um péssimo nível de reconhecimento, o que favoreceu ainda mais o desgaste.

O governo estava pronto para o enfrentamento. Notas oficiais, ações judiciais, medidas administrativas e corte de ponto já estavam em andamento até que, enfim, a derradeira negativa da categoria de aceitação das propostas do governo afetou drasticamente os brios palacianos. A guerra atingiu seu ponto mais crítico. A artilharia pesada do governo foi utilizada de forma concentrada através da contratação mentirosa de professores substitutos para ocupação das vagas dos grevistas e ameaças explícitas de demissão. O cerco estava cada vez mais fechado. No dia seguinte a esta assembléia, o presidente do Sintepe, Heleno Araújo, estava na imprensa repetindo o clamor expressado no dia anterior de que a greve estava fadada ao enfraquecimento, dando uma evidente impressão de que a direção estava novamente se afastando do processo. O governo enviou sua proposta final para a Assembléia Legislativa, dando provas de que não iria continuar as negociações da categoria.

O quadro geral era nitidamente contrário à continuidade da greve nesta última assembléia: a ilegalidade da greve era mantida, as divergências internas da categoria eram claras, os trabalhadores estavam desgastados, o governo aprofundava as punições propostas aos servidores e a direção sindical preparou seu terreno para influir no resultado.

No início, a assembléia foi ridiculamente encenada por uma sucessão de depoimentos idênticos de representantes das regionais do interior que enunciavam panoramas desestimulantes de adesão ao movimento em suas regiões (e alguns dentre estes representantes regionais sequer possuíam relação com os locais que diziam representar). O jogral ensaiado já deu o tom desanimador da assembléia e o marasmo cedeu lugar para um instante quente: o representante da CUT foi vaiado durante todo o tempo em que se pronunciou. Era um alerta de que a trégua não seria fácil.

Iniciada a fase de avaliação, mais tumultos. Houve confusão na inscrição das várias pessoas que pretendiam se pronunciar. Este quesito, diga-se de passagem, é um curioso instrumento de manipulações das assembléias sintepeanas, pois pessoas ligadas à direção que não estavam na fila de inscrição tinham lugar na listagem e seus pronunciamentos eram garantidos, enquanto outras tantas pessoas inscritas eram negligenciadas ou colocadas nos últimos lugares da lista – não são raras as observações e queixas a este respeito, sobretudo por parte de oradores notoriamente contrários à direção da entidade. Entre as falas, aplausos e vaias. Quem falava em defesa da direção sindical estava em condições mais vulneráveis de receber vaias, ao passo em que as críticas eram calorosamente recebidas, repetindo uma tendência já instalada nas assembléias desde a primeira tentativa da diretoria de encerrar a greve.

De forma tensa, os pronunciamentos foram abreviados para que a fase de votação se instalasse. Prevaleceu a decisão de finalizar a greve. Tanto a situação como a oposição compartilharam a mesma proposta, porém ambas partiam de princípios distintos. Enquanto a situação conseguiu finalmente cumprir sua vontade de acabar com o movimento, a oposição avaliou que não seria possível mantê-lo enquanto a base estivesse pressionada pelo governo, pelo Judiciário, por parte da imprensa e pela própria direção sindical, que tentou sabotar diligentemente a greve e várias propostas realizadas nas assembléias.

Como saldo, não houve vencedores deste embate, mas perdedores podem ser identificados. Neste sentido, o governo sofreu desgaste, sua composição partidária ficou sob desconforto (principalmente o PT, ligado à direção do Sintepe), a deputada Teresa Leitão (ex-presidente do Sintepe) saiu-se ofuscada por ter mantido uma interação pífia com a causa da greve e a própria direção sindical penou por ter feito uma opção prioritária pelo alinhamento ao governo em detrimento da própria categoria. As propostas do governo foram encampadas, mesmo sendo altamente desvantajosas para categoria. Para minimizar os efeitos das precárias conquistas, o consolo dos grevistas foi perceber que a autonomia da categoria prevaleceu sobre uma direção sindical que hoje se evidencia como corroída e enfraquecida. O governo, por sua vez, conseguiu o que quis, apesar dos transtornos.

Um comentário:

  1. " Tanto a situação como a oposição compartilharam a mesma proposta, porém ambas partiam de princípios distintos."
    Olá Paulo
    Acho que você não estava na assembléia quando eu fiz a defesa da continuidade da greve, embora Mariano tenha sido ovacionado pelo presidente do Sindicato como "oposição responsável".Todos no recito viram que uma professora defendeu a continuidade da greve...inclusive este instante provocou um certo alvoroço e apesar não ter saido o som da minha voz, minha imagem apareceu no jornal da Globo NE TV da noite.

    ResponderExcluir