sábado, 18 de agosto de 2007

Nossa guerra

Por Cristovam Buarque
Cristovam Buarque é professor da Universidade de Brasília e senador pelo PDT/DF
Artigo publicado em 10/08/2007 no Jornal do Commercio




Na semana passada, no município catarinense de Joaçaba, uma moça pôs um gravador na minha frente e perguntou: “O que você diria ao pai de um jovem de 16 anos que diz ter decidido ser professor?” Respondi: “Diria que me sentia como se o rapaz estivesse se alistando no Exército em tempos de guerra. O pai tem todo o direito de se assustar com o futuro do filho, mas tem motivos para se orgulhar do seu patriotismo.” A pergunta de Santa Catarina se justifica plenamente. Hoje, raros pais ficam felizes com a opção de um filho pelo magistério.

Um mês atrás, em Brasília, uma professora da rede pública me disse que o pai deixou de falar com ela desde quando ela lhe comunicou sua opção pelo magistério. No Brasil, escolher o magistério é um gesto extremo, como alistar-se para ir à guerra.

É triste reconhecer, mas a carreira de professor não oferece um futuro promissor. O jovem que escolhe essa carreira provavelmente terá um salário baixo, trabalhará em escolas fisicamente degradadas, não contará com modernos equipamentos, enfrentará turmas desmotivadas e estará sujeito a atos de violência. Entretanto, são esses os profissionais que enfrentarão a guerra da construção do futuro do Brasil. São soldados do futuro, são patriotas.

A razão óbvia para essa posição está nas péssimas condições de trabalho, inclusive salariais. Por trás, há razões mais profundas. Quando um jovem escolhe a carreira de médico ou engenheiro, o pai vê três vantagens: um futuro promissor, uma boa remuneração e o orgulho de filho que ajuda a construir o País. É um soldado do futuro e bem pago. Na opção pelo magistério, o pai não tem o sentimento de construção do futuro, do respeito social pelo filho, e sabe dos baixos salários que ele provavelmente terá.

Ainda mais do que o salário, o que pesa na frustração dos pais é a falta de reconhecimento, como se esta fosse uma profissão menor. Mas a falta de reconhecimento decorre principalmente do baixo salário. Cria-se um círculo vicioso: não é uma carreira de sucesso porque os salários são baixos, e não há reconhecimento. O professor se sente diminuído e mais diminuído fica.

Os servidores do Banco Central fizeram uma greve, no mesmo período que professores em diversos Estados. Em média, o simples aumento pleiteado pelos funcionários do Banco Central equivalia a quase duas vezes o salário mensal dos professores. Porque, na visão do Brasil, a educação é secundária. Não se percebe que o futuro econômico nacional está no capital-conhecimento, e que a quebra da desigualdade social só virá com o acesso de todos a uma escola com a mesma qualidade.

Quando a falha de infra-estrutura aérea ficou evidente, o governo decidiu construir novas pistas, novos aeroportos, trens especiais para levar os passageiros. Bilhões de reais foram rapidamente prometidos. Isso porque os aviões precisam decolar. Mas não há recursos para fazer o País decolar com a construção dos aeroportos do futuro: as escolas.

A maior dificuldade para tirar o Brasil do impasse que vive sua sociedade é convencer a opinião pública de que a escola é importante e os professores são os construtores do futuro. Quando isso acontecer, no momento em que nascer uma criança, seu pai vai colocá-la nos braços, olhará seu rostinho e dirá: “Quando crescer, vai ser professor.” E pensará: “Vai ter uma bela carreira, um bom futuro e ajudará o Brasil a vencer nossa guerra contra a pobreza, o atraso, a desigualdade.” Nesse dia, a pergunta feita na semana passada perderá o sentido.

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